sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Os 10% Adicionais do FGTS

O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) é reconhecido pelo trabalhador como uma espécie de poupança, embora tenha uma aplicação social que vai muito além do patrimônio individual. Criado em setembro de 1966, o FGTS surgiu como uma forma de flexibilizar as relações entre empregadores e trabalhadores. Até então, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) estabelecia que empregados com mais de 10 anos de registro em carteira teriam estabilidade no emprego, só podendo ser demitidos em casos de falhas graves.
A lei, no entanto, levava ao efeito contrário: as empresas acabavam demitindo os funcionários ao completarem nove anos na empresa para evitar a estabilidade, explica o presidente da Fecomércio-RS, Luiz Carlos Bohn. Para equilibrar os dois lados, contemplando o pleito das empresas sem prejudicar o trabalhador, foi criado o FGTS, que imputava às empresas o depósito mensal de 8% sobre o salário na conta vinculada ao empregado.

A medida flexibilizou as relações de trabalho, garantindo recursos em situações como demissão sem justa causa, que ainda exige do empregador o pagamento de 40% do total depositado na conta do FGTS. Ao longo do tempo, uma empresa pode crescer ou diminuir. Nesse sentido, é fundamental que disponha do direito de contratar e demitir, adequando sua força de trabalho ao tamanho de seu negócio, detalha Bohn, explicitando que a solução beneficiou ambos os lados.

Em quase cinco décadas, desde que foi adotado, o FGTS compôs recursos não só para atender individualmente os trabalhadores, mas também gerando aporte a outras áreas, especialmente a habitação. Em 2006, quando o fundo completou 40 anos, já haviam sido aplicados mais de R$ 80 bilhões nas áreas de habitação, saneamento e desenvolvimento urbano, gerando aproximadamente 11 milhões de vagas e financiando de mais de 6 milhões de habitações até então.

Em quatro décadas, o fundo contabilizava cerca de 370 milhões de saques realizados pelos trabalhadores, que resultaram em um montante de R$ 250 bilhões injetados na economia brasileira.

Apesar dos números positivos, o fundo passou por um período crítico de déficit, decorrente dos planos econômicos das décadas de 1980 e 1990. O FGTS registrava um rombo de R$ 42 bilhões em 2001. A partir de uma grande articulação entre governo e empresas, foram aprovadas e instituídas pela Lei Complementar 110/2001 duas contribuições adicionais para sanar as contas, uma de 0,5% incidente sobre a remuneração mensal do trabalhador, com prazo de 60 meses (compreendendo o período de janeiro de 2002 a janeiro de 2007), e outra de 10% sobre o saldo individual do FGTS no caso de demissão sem justa causa (sem prazo estabelecido).

Assim, a partir de 2002, os empregadores passaram a depositar mensalmente 8,5% do salário nas contas de seus funcionários e, nos casos de demissão sem justa causa, além da multa de 40% sobre o saldo do fundo, mais 10% incidente sobre o mesmo montante.

O equilíbrio financeiro do FGTS foi alcançado em 2012, segundo a Caixa Econômica Federal, porém a cobrança dos 10% adicionais permanece até hoje, embora seja questionada e combatida pela classe empresarial.

Déficit foi quitado em 2007, argumenta advogado

Analisando as demonstrações financeiras do FGTS desde que a cobrança dos 10% adicionais na multa por demissão sem justa causa, a partir de 2002, o advogado tributarista da Martins Bertoldi Advogados Associados Ricieri Gabriel Calixto concluiu que o déficit das contas foi sanado a partir de 2007.

O fim para o qual a referida contribuição fora criada foi devidamente alcançado, no mínimo, a partir do exercício de 2007?, argumenta Calixto em um dos processos que conduz contra a manutenção da cobrança. O advogado recorre às próprias demonstrações financeiras do FGTS para justificar a argumentação.

Calixto sustenta que na demonstração financeira de 2001 o valor do déficit foi apresentado como ativo diferido (gasto previsto), montante que foi gradualmente diminuído a partir das demonstrações financeiras seguintes (2002, 2003, 2004, 2005 e 2006), já com a arrecadação das contribuições adicionais. Por outro lado, verifica-se que o patrimônio líquido do FGTS de cada uma das demonstrações financeiras elencadas, mesmo crescente a cada ano, ainda não era suficiente para cobrir o ativo diferido em cada um destes exercícios. Ou seja, o patrimônio líquido sempre era menor que o ativo diferido, esclarece o advogado.

Na demonstração financeira de 2007, no entanto, ocorreu a inversão da situação: o patrimônio líquido superou o ativo diferido e foi suficiente para equilibrar as contas do FGTS, defende Calixto. Naquele ano, o valor do patrimônio líquido foi superior a R$ 22,91 bilhões ao passo que do ativo diferido foi de mais de R$ 20,20 bilhões, gerando uma diferença positiva. Essa argumentação, pontua Calixto, encontra respaldo nos estudos do doutor em Direito Econômico e Financeiro pela USP e mestre em Direito Tributário André Mendes Moreira, que produziu artigo, baseado também na observação das demonstrações financeiras do FGTS, argumentando que a partir do exercício de 2007 não havia mais risco de desequilíbrio patrimonial do fundo, tornando dispensável a contribuição instituída a partir de 2002.

Empresas depositaram R$ 3,7 bi em 2013

De acordo com o balanço financeiro do FGTS mais recente, de 2013, o patrimônio líquido do fundo é de R$ 64,6 bilhões. No mesmo ano, a contribuição adicional paga pelas empresas (Lei Complementar 110/2001) foi de R$ 3,73 bilhões, montante que foi transferido para o Tesouro Nacional. Até 2013, foram repassados ao Tesouro Nacional R$ 6,6 bilhões, que foram arrecadados pelo Fundo a partir das cobranças adicionais definidas para compensação do rombo.

A Confederação Nacional das Indústrias (CNI) estima que cerca de R$ 300 milhões são desembolsados a cada mês pelo setor privado referentes ao adicional de 10% do FGTS, cobrança que a instituição classifica como indevida. A advogada Ana Cristina Quevedo, coordenadora da área trabalhista do Xavier Advogados, explica que apesar dos questionamentos judiciais quanto as cobranças, as empresas não têm como evitar o pagamento desse percentual. Não se tem opção de não recolher, porque qualquer descumprimento gera autuações, diz. No nosso escritório temos muitas empresas discutindo a ilegalidade, acrescenta.

Para o advogado tributarista Ricieri Gabriel Calixto, a questão ainda deve levar algum tempo até chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF), que deve finalmente por fim ao impasse jurídico sobre o tema. O advogado pontua, no entanto, que os 10% adicionalmente cobrados nos casos de demissão sem justa causa além de não cumprirem com o propósito inicial (corrigir o déficit das contas do FGTS) no momento não beneficiam nem os trabalhadores e nem o fundo, já que a contribuição tem sido destinada ao Tesouro Nacional. O empresário paga, mas nem mesmo sabe qual é a aplicação desse recurso, que vai para a conta geral e acaba caindo no bolo do que o governo tem para gastar.

Só isso, argumenta, já fere o princípio tributário. A contribuição tem uma finalidade. Se a finalidade era recompor o FGTS e isso já foi cumprindo, não há razão para ser mantida. A destinação dos valores arrecadados com a contribuição adicional para o Tesouro Nacional é um dos fundamentos apresentados pelo advogado em processos que conduz contra a cobrança.

Em resposta aos questionamentos judiciais feitos por Calixto, a própria Caixa Econômica Federal emitiu um ofício destacando que desde março de 2012 os valores de contribuição social (0,5% e 10%) são repassados pela Caixa Econômica Federal à Secretaria do Tesouro Nacional, mensalmente. Para a diretora de Relações Institucionais da CNI, Mônica Messenberg, extinguir a cobrança é uma questão de justiça tributária. A permanência da contribuição frustra os anseios do setor produtivo nacional de ver extinto um tributo criado para ser provisório e que cuja finalidade, a de salvar o FGTS da falência, foi integralmente cumprida, declara.

A extinção do tributo continua sendo prioridade para a indústria brasileira, esclarece. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), considera que a manutenção da multa de 10% é inconstitucional. Com os objetivos alcançados, o montante arrecadado com essa contribuição está sendo utilizado pela União para outra destinação, alega a entidade, que considera que a manutenção da multa de 10% fere princípios constitucionais. Em outubro de 2013, foram ajuizadas três ações diretas de inconstitucionalidade (5050, 5051 e 5053, respectivamente por parte da Confederação Nacional do Sistema Financeiro Cisf da CNC e da CNI), questionando a continuidade da cobrança.

O presidente da Fecomércio-RS, Luiz Carlos Bohn, detalha que além de já ter cumprido com o propósito definido, a contribuição adicional não se reverte em benefício para o trabalhador e interfere nas decisões de contratação por parte das empresas. Sabe-se que o ato de contratar alguém é muito influenciado pelo custo de sua demissão. Assim, é razoável admitir que, se a multa de 10% sobre o fundo fosse retirada dos custos demissionais, criar-se-ia um maior incentivo às contratações, com reflexos positivos para toda a economia.

Falta de consenso político mantém cobrança além do previsto

O ano de 2012 é tomado como base pela classe empresarial para questionar a cobrança da contribuição porque foi em agosto daquele ano que a Caixa Econômica Federal, gestora do Fundo, emitiu um ofício confirmando que o déficit foi compensado até julho de 2012, tornando desnecessária a contribuição a partir de então.

Na sequência, o legislativo apresentou a Lei Complementar 200/2012, determinando a extinção das contribuições, obtendo votação favorável na Câmara dos Deputados, em 2013. Foram 315 votos a favor e 95 contra. O documento, no entanto, foi vetado pela presidente Dilma Rousseff em setembro de 2013.

A exposição de motivos para o veto pontua que a extinção da cobrança geraria um impacto superior a R$ 3 bilhões por ano nas contas do FGTS. Em mensagem ao Senado, a presidência da República acrescenta que a proposta não está acompanhada das estimativas de impacto orçamentário-financeiro e da indicação das devidas medidas compensatórias, em contrariedade à Lei de Responsabilidade Fiscal.

O documento esclarece, ainda, que se o texto fosse sancionado haveria uma redução de investimentos em importantes programas sociais e em ações estratégicas de infraestrutura, notadamente naquelas realizadas por meio do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS). O impacto, em especial, seria maior em relação ao Programa Minha Casa Minha Vida, segundo a exposição de motivos para o veto.

Segundo o advogado tributarista Ricieri Gabriel Calixto, a justificativa é inconsistente, pois não leva em conta que a finalidade da contribuição é distinta da alegada no documento. É injustificável, critica. Outro ponto fundamental em relação ao veto, sustenta Calixto, está no fato de que a devolução do projeto para o Congresso não foi contestada. É revoltante: os políticos tinham aprovado a extinção da contribuição, mas só porque a presidente vetou, não derrubaram o veto. Dessa forma, a única opção restante para as empresas que se sentem prejudicadas pela cobrança é recorrer judicialmente contra a contribuição.

Correção do déficit

De 2002 a 2013, as empresas brasileiras depositaram um total superior a R$ 29,45 bilhões somente com as contribuições instituídas em 2001 para ajudar a sanar o rombo de R$ 42 bilhões decorrentes dos planos econômicos das décadas de 1980 a 1990.

*A partir de 2007, a contribuição de 0,5% mensal paga adicionalmente por mês junto com os 8% depositados na conta dos trabalhadores foi extinta, permanecendo apenas a cobrança dos 10% adicionais à multa nos casos de demissão sem justa causa.

Fonte: SisContábil