Além disso, houve neste início de ano uma reversão do humor dos mercados internacionais. Os investidores estrangeiros começaram a abandonar a Bovespa e a migrar para as bolsas de países desenvolvidos. No total, 1 bilhão de reais zarpou do território nacional em busca de investimentos melhores. Para tornar o cenário atual ainda mais complicado, a Deutsche Börse e a bolsa de Nova York anunciaram a fusão de suas operações, criando um gigante com valor de mercado de 20 bilhões de dólares.
A dúvida é: como as outras grandes bolsas do mundo, entre elas a BM&F Bovespa, reagirão? Diante desse combinado de más notícias, nem o anúncio de que o faturamento da BM&F Bovespa subiu 25% no ano passado foi suficiente para acalmar os investidores. As ações da bolsa brasileira caíram 13,7% nos primeiros dois meses de 2011, cinco vezes mais do que o Ibovespa.
De todas essas notícias, aquela que tem mais potencial para gerar problemas para Edemir Pinto é a criação de uma nova bolsa no Brasil. Na prática, a BM&F Bovespa, empresa resultante da fusão entre a bolsa de mercadorias e futuros (BM&F) e a bolsa de valores (Bovespa), em 2008, detém o monopólio no mercado brasileiro. E, como todo monopólio, este também é extremamente lucrativo: a bolsa brasileira é a quarta mais rentável do mundo.
Em fevereiro, a americana Bats e a empresa brasileira de gestão de ativos Claritas anunciaram que também pretendem ganhar um pedaço desse dinheiro. “Vamos oferecer a melhor tecnologia e os menores preços do mercado”, diz Ken Conklin, responsável pelo desenvolvimento de negócios da Bats no mundo. Segundo EXAME apurou, os dois sócios estão negociando em sigilo uma parceria com a Cetip, que opera o maior mercado organizado de renda fixa e derivativos de balcão da América Latina.
Competição
O anúncio da chegada de um concorrente foi recebido com alegria contida pelos principais clientes da bolsa, as corretoras. O motivo, claro, é financeiro. Não é de hoje que as corretoras reclamam dos preços cobrados pela BM&F Bovespa — as taxas por transação são cerca de cinco vezes mais caras que em bolsas europeias.
As corretoras também têm de pagar uma taxa para cadastrar os clientes, outra para estar integradas ao sistema de negociações e outra para fornecer as informações das cotações em tempo real aos investidores. Em alguns casos, essa estrutura representa até 50% das despesas das corretoras. Já para as pessoas físicas os custos fixos são dois: a custódia de 6,90 reais ao mês e 0,03% sobre o valor de cada negociação e liquidação dos papéis. “Essas taxas inviabilizam o surgimento de mais corretoras no país e inibem a entrada na bolsa de novos investidores da classe C, que poderiam impulsionar o volume de operações”, afirma o analista Henrique Caldeira, do Barclays. Segundo um estudo do banco inglês, o surgimento de um novo concorrente pode diminuir em até 20% a margem de lucro da BM&F Bovespa.
A possível chegada de um concorrente estrangeiro é mais um sinal de que o mercado de bolsas é, hoje, global. Mas não é, nem de longe, o sinal mais poderoso. Uma onda de fusões em fevereiro deixou isso bem claro. Numa mesma leva, a Deutsche Börse e a bolsa de Nova York anunciaram a criação do maior grupo do mundo no setor. Dias depois, a britânica LSE comprou a canadense TMX. E a bolsa de Singapura revelou que se unirá à americana Nasdaq.
Cedo ou tarde, a onda de consolidação baterá às portas da BM&F Bovespa. Atualmente, a bolsa brasileira tem participação de 5% no grupo CME, controlador da bolsa de Chicago. “Essa relação deverá aumentar gradualmente nos próximos anos até que a bolsa brasileira se funda com o CME”, afirma Bernardo Mariano, da consultoria americana ER Desk. Outra possibilidade é que a BM&F Bovespa assuma o papel de consolidadora no mercado latino-americano. O difícil vai ser ficar parado assistindo à criação de gigantes mundo afora.
Há um velho lugar-comum segundo o qual o mercado reage exageradamente a tudo — tanto às notícias positivas quanto às negativas. Isso se aplica à BM&F Bovespa de hoje. Embora os riscos da entrada de um novo concorrente sejam reais, eles precisam ser colocados em seu devido contexto. Por décadas, a Bolsa de Valores de São Paulo teve concorrentes, como a bolsa do Rio de Janeiro. E não foi à toa que o mercado acabou se concentrando.
Não havia liquidez que justificasse a existência de rivais. Isso mudou? Edemir Pinto acha que não. “Minha preocupação com a concorrência é zero, porque o mercado brasileiro não tem liquidez suficiente para abrigar dois concorrentes”, diz. Por via das dúvidas, ele já está tratando de defender seu espaço contra eventuais ataques. Um dos planos é permitir que o investidor estrangeiro pessoa física compre ações de empresas brasileiras em sua moeda local.
O outro projeto é disponibilizar contratos futuros de petróleo por meio da parceria com a bolsa de Chicago. Em fevereiro, a BM&F Bovespa anunciou uma aliança com a bolsa de Xangai para listar empresas brasileiras no pregão chinês, e vice-versa. “Essas estratégias são importantes para a empresa se diferenciar da concorrência”, diz Herbie Skete, da consultoria inglesa Mondo Visione. Tudo isso, em suma, para dar àqueles que investem em bolsa um motivo para voltar a investir na bolsa.
Fonte: Exame