Duas horas depois de partir de Maputo, o avião das Linhas Aéreas de Moçambique pousa num pequeno aeroporto cercado por uma vegetação marrom, seca e retorcida. Uma estrada de pista simples e de mão inglesa liga o terminal aéreo à cidade de Tete, capital da província de mesmo nome, localizada no noroeste de Moçambique, país de 24 milhões de habitantes.
Até há pouco tempo, Tete não passava de mais uma cidade esquecida e pobre do continente africano, motivo de destaque apenas por ser o lugar mais quente da região — no verão, as temperaturas podem facilmente ultrapassar os 40 graus.
Hoje, Tete é o maior símbolo da atual fase de Moçambique, país considerado um exemplo em comparação com a maioria de seus vizinhos. Dono de um sistema político estável, uma legislação moderna e, principalmente, recursos minerais abundantes, Moçambique atrai investimentos como nunca antes em sua história.
Foi em Tete que a Vale inaugurou em julho uma mina de carvão de 1,7 bilhão de dólares. É a segunda maior mina de carvão a céu aberto do mundo e o maior empreendimento da mineradora fora do Brasil.
No início de agosto, a australiana Rio Tinto pagou 4 bilhões de dólares por uma mina de carvão que pertencia à Riversdale, também da Austrália, em sociedade com a indiana Tata Steel. Localizada em Tete, a mina está em construção e deve começar a operar em 2012.
Pelos cálculos do governo, o país deverá produzir 95 milhões de toneladas de carvão por ano a partir de 2015, objetivo que, se for alcançado, colocará Moçambique entre os dez maiores produtores mundiais.
“A mineração representa hoje 1% do PIB, mas em pouco tempo será a principal atividade, podendo chegar a 30% da economia”, diz Esperança Bias, ministra dos Recursos Minerais. Projetos em andamento na área de papel e celulose somam outros 4,5 bilhões de dólares. Isso tudo num país que tem um PIB de 10 bilhões de dólares, o equivalente ao de um estado como o Piauí.
Em Tete, o dinheiro investido pelas mineradoras atraiu construtoras e bancos, fez surgir supermercados e locadoras de veículos. Em resumo, mudou a cara da cidade.
“Tudo o que for colocado à venda aqui é comprado”, diz Curratul Ustá, um comerciante moçambicano de origem indiana. Ustá chegou a Tete em 2009 para instalar cercas para a Vale. Hoje, tem 20 chalés para alugar (todos sempre lotados), um bar e um restaurante.
Mesmo com as melhorias já sentidas por parte da população local, os megaprojetos — como são chamados os empreendimentos tocados à base de capital estrangeiro e fortes incentivos fiscais — têm sido alvo de críticas por supostamente fazerem muitas concessões aos investidores e beneficiarem pouco o país.
“São atividades altamente danosas ao meio ambiente, que geram poucos empregos em relação ao investimento feito e não desenvolvem os setores básicos, como a agricultura e a indústria”, diz João Mosca, professor de economia da Universidade Politécnica de Moçambique.
Nas ruas de Tete, há milhares de agricultores pobres que, nos últimos anos, abandonaram suas terras e chegaram à cidade em busca de emprego ou para tentar vender alguma coisa aos engenheiros e geólogos que lotam os hotéis.
O grande desafio do governo é, segundo analistas, usar essa onda de investimentos em um único setor para dinamizar a economia como um todo.
Moçambique tem uma renda per capita de apenas 450 dólares e está entre os dez países com os piores resultados no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano. Mais de 60% da população está no meio rural e vive da agricultura de subsistência, que mantém os mesmos níveis de produtividade há 40 anos.
Apenas 14% da população tem acesso à energia elétrica e só 50% sabe ler. “Em 30 anos, passamos por três sistemas diferentes — o colonial, o socialista e, agora, o capitalista”, diz Armando Inroga, ministro da Indústria e Comércio. O que ajuda é o fato de Moçambique ter virado uma espécie de “queridinha” dos órgãos internacionais.
Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e os 17 principais países doadores de recursos a Moçambique formaram um grupo chamado G19, que centraliza as conversas com o governo e determina o destino das doações. Neste ano, foram de 700 milhões de dólares — ou 50% do orçamento do governo.
Uma solução brasileira
O Brasil, um dos países do grupo, tem assumido um papel cada vez mais central no desenvolvimento moçambicano. O país já é o principal destino da cooperação externa brasileira, com destaque para um programa da Embrapa e uma fábrica de remédios antirretrovirais.
O BNDES criou uma linha de crédito de 300 milhões de dólares, dos quais 80 milhões já estão sendo usados pela Odebrecht na construção de um aeroporto internacional em Nacala, cidade costeira da região norte do país.
“Eles nos enxergam como um irmão mais velho que venceu as dificuldades do colonialismo e deu certo na vida”, afirma Antônio de Souza e Silva, embaixador do Brasil em Maputo. “Há até mesmo um ditado local que diz que, para cada problema africano, há uma solução brasileira.”
Trinta anos de mudanças de sistema político tornaram inviável o surgimento de uma iniciativa privada forte em Moçambique. Os primeiros empresários locais começaram a surgir somente em meados da década de 90. A expectativa agora é que a chegada das multinacionais mude esse panorama.
“A entrada de grandes empresas privadas provavelmente ajudará a criar uma cultura de trabalho pautada pela eficiência e competição”, diz Galib Chaim, diretor da Vale em Moçambique.
Para os brasileiros, o idioma pode dar a falsa impressão de que se está num ambiente familiar. Não é bem assim. Há vários casos de choque cultural. Um exemplo foram as dificuldades enfrentadas pela Vale para reassentar 2 000 famílias que viviam perto de sua mina de carvão.
Além de transportar os pertences de cada um, a Vale teve de procurar e contratar uma empresa especializada em remoção de cemitérios. Em Moçambique, não basta transportar os vivos. Por motivos religiosos, é preciso também deslocar os mortos.
Fonte: Exame