Pergunta - Os imóveis no Brasil estão em alta já há anos e alguns investidores que entraram cedo no ciclo, como o Sam Zell, já venderam suas participações em empresas como a BR Malls e a Gafisa. Por mais que se acredite que os juros no Brasil ainda vão cair no longo prazo, a percepção de que a maior parte do ciclo já aconteceu está ficando inevitável. Com que cenário você trabalha em termos de valorização de imóveis no Brasil?
Nogueira - Nós ainda estamos no início de um ciclo que no setor imobiliário costuma ser longo. No Brasil, eles eram mais curtos porque a volatilidade não permitia durações superiores a três ou quatro anos. Agora há vários ingredientes que favorecem um ciclo superior a 10 ou 15 anos. O primeiro deles é o déficit habitacional. Os brasileiros compram para morar, e não para especular. No Brasil, quem quer especular pode fazer isso com instrumentos financeiros. Aqui as pessoas não apenas compram para morar como ainda pagam juros relativamente altos. Se você comparar os juros globais praticados no credito imobiliário com as taxas brasileiras de 9% a 12% ao ano, vai ver que pagamos no mínimo o dobro do que é cobrado globalmente.
Pergunta – Por outro lado, os imóveis que exigiam comprovação de renda de 4.000 reais por mês há alguns anos agora podem ser financiados por quem ganha 1.500 reais. Não existe o risco de que esse crédito fácil vire um novelo de inadimplência lá na frente?
Nogueira – Não, ao menos nesse atual cenário. Isso é fruto da ampliação de prazos de financiamento. Errado era o que o Brasil praticava. Os bancos financiavam imóveis em no máximo 10 ou 15 anos e o brasileiro, por não gostar de dívidas, tomava um credito com um prazo ainda inferior. Agora quando você estende isso para até 30 anos, que é algo normal em se tratando de credito imobiliário, é lógico que a prestação cai e a necessidade de comprovação de renda também.
Pergunta - Não há um critério de concessão de crédito mais benevolente?Nogueira - Não. Se tem uma coisa que o Brasil aprendeu foi fazer concessão de crédito de maneira muito regrada. Ninguém gasta mais de 30% da renda familiar com a prestação imobiliária. O normal é ficar entre 20% ou 25%. E ninguém financia mais do que o valor do bem, enquanto no exterior era liberado até 120% do preço do imóvel. Como quem toma o crédito aqui coloca em média 38% do valor do imóvel como entrada, a pessoa é cuidadosa porque tem esse tanto a perder.
Pergunta – Por que o mercado está tão aquecido?
Nogueira - O que aconteceu foi que, a partir do momento que as pessoas perceberam a estabilização, resolveram realizar o sonho da casa própria. Obviamente a indústria imobiliária teve que se adaptar a isso. Novos projetos foram criados, encontrou-se o gargalo de infraestrutura, depois o gargalo da aprovação de projetos e agora a escassez de matéria-prima e de mão de obra. A indústria está de uma maneira muito exemplar conseguindo superar todos os obstáculos. O incorporador brasileiro sobreviveu a 30 ou 40 anos de inflação sem ter fontes de recursos de financiamento. Ele aprendeu a permutar terreno por área construída, por exemplo, para reduzir o gasto de capital.
Em 2008, quando várias empresas fizeram ofertas iniciais de ações, os bancos de investimento chegaram a recomendar que as incorporadoras parassem de fazer isso e começassem a comprar terrenos. Elas então compraram terreno de uma maneira exagerada e chegaram ao pior da crise de 2008 sem liquidez. As incorporadoras aprenderam e, à medida que a crise foi arrefecendo, começaram a retomar práticas saudáveis, como permutas e parcerias, por exemplo. Hoje, elas têm uma bela gestão de caixa.
Pergunta – E para onde vão os preços?
Nogueira – Recentemente nós tivemos uma recuperação do valor dos imóveis após um período de 20, 30 ou 40 anos de estagnação. As últimas informações dão conta de uma estabilidade de preço. Se nós tivéssemos vivendo um processo especulativo, os preços continuariam subindo, coisa que não aconteceu. Ao mesmo tempo, o preço também não caiu. Obviamente que haverá problemas e eventuais crises pontuais na economia que poderão interferir no desenvolvimento do mercado imobiliário. Ainda que os fundamentos atuais apontem para um desenvolvimento sustentado, é importante lembrar que, mesmo nos piores momentos históricos, os preços nunca caem mais de 20% ou 25%.
Pergunta - Qual é hoje o maior risco para o mercado imobiliário brasileiro?
Nogueira - A inflação é um risco, como é para a economia como um todo. Temos que combater com todas as forças o advento da inflação porque sua consequência é o aumento da taxa básica de juros e a instabilidade. A geração de brasileiros mais jovens que não conheceu a inflação deve continuar a não saber do que se trata. A inflação traz reajuste de prestações, por exemplo. A gente já sabe o que pode acontecer quando as dívidas imobiliárias crescem e superam o valor do próprio imóvel. O grande problema do crédito imobiliário no mundo é a percepção de que seu imóvel vale menos que sua dívida. Foi exatamente o que ocorreu nos países desenvolvidos. É o que a gente tem que evitar ferrenhamente que aconteça aqui.
Pergunta - A dívida pode aumentar mais e suplantar o valor do imóveis porque os contratos são indexados?
Nogueira - Exato, o contrato é indexado, mas o preço do imóvel, não.
Pergunta - Estima-se que os recursos da poupança vão estar esgotados para financiar o crédito imobiliário por volta de 2013 ou 2014. O que a indústria poderá fazer em termos de financiamento?
Nogueira - Já estamos fazendo. Nos últimos 14 anos, de maneira silenciosa e consistente, a gente desenvolveu o instrumento da securitização sem qualquer interferência ou necessidade de ajuda governamental. A securitização é um instrumento do mercado de capitais. A gente contou com a ajuda do governo com algum tipo de apoio para a captação de recursos, como a isenção de IR para pessoas físicas que investem em CRI (Certificados Recebíveis Imobiliários). Agora é uma questão de escala. A securitização está pronta para atender esse grande desafio que é suprir essa população jovem com a residência que eles estão buscando. A securitização será a resposta para o esgotamento dos recursos de poupança.
Fonte: matéria de João Sandrini para a Exame