Quase todos os gestores de fundos de investimento têm o costume de se autoproclamarem conservadores ou cautelosos. É quase um código de conduta da função. Afinal, ninguém entregaria seu dinheiro a um profissional que promete investi-lo como um apostador de cassino. Mas poucos gestores possuem um discurso tão coerentemente cauteloso quanto Henry Gonzalez, sócio e chefe da área de investimentos da FRAM Capital, que administra cerca de 400 milhões de reais em 11 fundos. Em entrevista ao site EXAME, Gonzalez falou sobre seu estilo de investir. Os ensinamentos, no entanto, valem para qualquer investidor que tenha visão de longo prazo. Veja abaixo os principais trechos da conversa:
1 - Só troque a renda fixa pela bolsa se o potencial de ganho for alto. Eu só entro na bolsa se tiver a perspectiva de obter um retorno 5 pontos percentuais acima do que posso conseguir na renda fixa, onde o risco pode ser bem-calculado. No mercado acionário, qualquer investimento está sujeito a fortes oscilações. Se a bolsa cai 60% em um ano e um gestor entrega a seus clientes uma perda de só 50%, muita gente acha que ele fez seu trabalho direitinho. Eu acho que não. Acho que esse gestor deveria ter aconselhado o cliente a não investir em bolsa - mesmo que seu mandato só lhe permitisse comprar e vender ações. Pegando um caso bem real, hoje em dia é possível obter uma rentabilidade de 11% ao ano com títulos de renda fixa emitidos por empresas que apresentam boa capacidade de pagamento. Então eu só vou entrar na bolsa se achar que dá para ganhar ao menos 16% em um ano. Caso a expectativa de rendimento seja menor, eu fico de fora. E, especificamente neste momento, não estou muito otimista em relação a ganhar 16% com ações nos próximos 12 meses.
2 - Não tenha medo de perder uma oportunidade ou de parecer bobo. A maioria das pessoas que investe em bolsa parece ter muito mais medo de deixar uma oportunidade passar do que de perder dinheiro. Para mim, esses são investidores que têm medo de parecer bobos. Essas pessoas monitoram os fluxos de investimentos, sempre sabem onde está sendo aplicado o dinheiro e seguem esses movimentos de mercado quase que automaticamente. Quem investe dessa maneira é muitas vezes alertado que o pior pode estar para acontecer. Às vezes, os sinais do pior são visíveis. Quando justificava o excesso de crédito que levou à crise do subprime, o ex-presidente do Citigroup Charles Prince costumava dizer que "o banco dançaria enquanto a música estivesse tocando". Deu no que deu. O Citigroup quase quebrou.
Neste exato momento, tem muita gente comprando bolsa com a tese de que as empresas de países emergentes serão negociadas com um prêmio em relação às dos países desenvolvidos. A bolsa brasileira não está barata, mas os investidores justificam suas posições com o potencial de crescimento dos emergentes. O problema é que eu sempre desconfio dos cenários que parecem promissores demais para o Brasil. Desde a criação da Bovespa, as ações das empresas brasileiras nunca foram negociadas com prêmio em relação às americanas. Note que eu não estou dizendo que isso não possa acontecer. Só acredito que essa seja uma tese de investimento de risco elevado. Mas essa não é a percepção generalizada do mercado. A maioria das pessoas prefere comprar bolsa quando todo mundo enxerga tudo azul à frente. Foi assim em 2008. O pior momento para comprar a bolsa brasileira foi quando o país recebeu o grau de investimento das agências internacionais de rating. Muita gente entrou naquela época - e o mercado local nunca retomou aqueles patamares. Já o melhor momento para comprar bolsa foi logo que o Plano Collor foi anunciado em 1990. Mas ninguém parecia disposto a investir em ações nesse momento.
3 - Escolha muito bem a hora de tomar risco. Eu costumo comparar o investimento em certos ativos com um voo da Lloyd Aéreo Boliviano. Diante da necessidade de decidir entre comprar uma passagem de uma companhia aérea americana com uma boa reputação por 2.000 dólares e a de viajar o mesmo trecho em um avião da Lloyd por 1.000 dólares, muita gente não hesita em fazer a segunda opção. Para essas pessoas, o importante é economizar 1.000 dólares. Já em minha opinião, mesmo que o avião da Lloyd chegue intacto ao destino, a decisão correta seria a de comprar o bilhete de 2.000 dólares. Por quê? Porque esse é o tipo de risco que eu não quero correr. Então não vou me achar bobo por ter gastado mais que os outros. O que muitas vezes as pessoas não percebem é que existe a hora certa de tomar riscos. Quem investiu em imóveis há três anos em São Paulo ganhou muito dinheiro. Aquele era o momento certo de tomar risco, já que a possibilidade de perda era pequena e os preços ainda estavam muito baixos quando comparados aos de outros países. Não estou dizendo que quem investir agora não vai ganhar nada. Só não sei se o risco ainda vale a pena. O investimento em bolsa deve ser feito da mesma maneira.
4 - Procure sempre as empresas baratas. Em bolsa, o preço é muito mais importante do que a qualidade de uma empresa. Ninguém duvida da qualidade dos bancos brasileiros. Todos os sócios da FRAM Capital já trabalharam em algum momento no Santander. Alguns também conheceram por dentro outras instituições financeiras. Então sabemos como esses bancos são bem-administrados. Mas o que eu quero dizer é que isso não basta. Os grandes bancos são hoje negociados em bolsa por um valor equivalente a três vezes o patrimônio líquido. A rentabilidade dos bancos é muito boa quando comparada à das instituições estrangeiras. Tem banco que dá um retorno equivalente a 25% do patrimônio líquido, é difícil de achar isso fora do Brasil. O problema é que como o banco é negociado a três vezes o patrimônio em bolsa, o dividendo por ação não é tão interessante quanto parece e o potencial de valorização adicional desses papéis acaba sendo baixo. Outro exemplo é a Lojas Renner. É óbvio que a empresa vai se beneficiar do boom do consumo e da classe média brasileira. Mas eu não vou investir na Lojas Renner em um momento em que ela tem um valor de mercado que corresponde a um terço do da americana GAP [a maior varejista de roupas do mundo]. Muita coisa tem que sair conforme o esperado pelo mercado para que a Renner justifique esse valor. E talvez o risco de pagar para ver não valha a pena.
Neste momento, só vejo duas boas oportunidades na bolsa. No setor de telecomunicações, há preços interessantes [as ações da Brasil Telecom e da Oi estão entre as três maiores quedas do Ibovespa neste ano]. Dependendo de uma conclusão positiva da reorganização societária dessas empresas de telecom, há uma oportunidade de ganho com baixo risco de perda. Também olho com algum otimismo para o setor de energia, principalmente para as empresas que pagam bons dividendos, que foram um pouco esquecidas pelos investidores nos últimos meses. Mas eu não olho para fluxos na hora de investir. Eu vejo o risco de perder de dinheiro e o potencial de ganho e entro quando há uma assimetria.
5 - Não invista em setores historicamente problemáticos. Eu não tenho medo de parecer bobo por não tentar surfar no boom imobiliário brasileiro. No mundo inteiro, há muitas empresas de construção de casas populares. Mas nenhuma delas é centenária. Mesmo aquelas que muitos julgaram ser excelentes não resistiram em algum momento. Eu não estou dizendo que não dá para ganhar dinheiro com esse negócio. Mas acho que para um investidor de longo prazo, o risco elevado. A mesma coisa vale para as empresas aéreas. Na década de 60, havia um grande otimismo no mercado americano em relação a essas companhias. As projeções eram de que o setor aéreo dos EUA poderia crescer a taxas de 30% ou 40% ao ano por décadas. Ao final das contas, essas estimativas estavam certas e acabaram se concretizando. Mas, como investidor de longo prazo, praticamente ninguém ganhou dinheiro com as ações dessas empresas. Então esse é um negócio complicado. Exemplo semelhante são os frigoríficos brasileiros. E o mercado está comprando esses papéis por valores elevados neste momento.
6 - O Brasil é um ótimo lugar para investir em renda fixa. Não estou falando apenas dos juros altos. O Brasil já provou que é um pagador muito melhor do que as agências de rating dizem. Ninguém afirma que o Brasil é um pagador melhor que o México, mas eu acho que é. A sociedade brasileira já mostrou nos últimos anos que está disposta a honrar seus compromissos mesmo que para isso seja necessário cortar dinheiro da educação e da saúde. Olhe para a Grécia e veja se eles aceitam isso. Se o governo alemão não tivesse ajudado, os gregos não teriam reconquistado a confiança do mercado. E o juro pago hoje pelos títulos gregos não reflete esse risco. Os gestores parecem achar que haverá ajuda à Grécia sempre. Eu não invisto com base nesse tipo de tese cínica. Prefiro investir em renda fixa no Brasil, onde dá para obter ótimos retornos, principalmente com títulos longos de empresas médias.
7 - Não aposte na queda ininterrupta do dólar. Os preços cobrados por bens e serviços no Brasil já se assemelham ou superam os internacionais. Então até onde a moeda americana pode cair? Não estou dizendo que chegar a 1,60 real em algum momento, mas qual é o potencial de ganho que eu tenho para montar uma posição vendida em dólar? E qual é o risco de que em algum momento a moeda venha a reagir? Então eu não vejo uma grande oportunidade no câmbio. Acho que o dólar atingiu o fundo do poço em 2008 e 2009, nos dois momentos em que a quebra do Citigroup parecia uma ameaça real. Acho difícil que a moeda americana perca mais valor do que naquele momento. Na verdade, pensando no comportamento mundial do câmbio, acho que a tendência do dólar é para cima. Por esse motivo, também não vejo o investimento em commodities com muito otimismo. Historicamente, se o dólar se aprecia, as commodities caem, e vice-versa. Neste momento, até existe a tese de que a China vai comprar todas as commodities que outros países possam produzir, e os preços se mantêm altos. Mas eu que cheguei a negociar um barril de petróleo por 10 dólares quando trabalhei na tesouraria do Santander vejo riscos de perda nesse mercado que não consigo ignorar.
Fonte: Exame, por João Sandrini