As notícias sobre o setor imobiliário nos últimos anos não poderiam ser melhores. O crédito habitacional deve crescer perto de 100% em 2010; cimenteiras trabalham a todo vapor; e muito se fala na falta de mão de obra para construir os empreendimentos. Não é exagero dizer que muitas pessoas que acalentaram por anos o sonho da casa estão perto de torná-lo realidade. A Caixa Econômica Federal (CEF), por exemplo, deve bater neste ano seu recorde de concessão de crédito habitacional, de 70 bilhões de reais. A despeito da melhoria evidente, ainda não dá para afirmar que as facilidades para aquisição de um imóvel estão ao alcance de todos.
O mercado, afirmam os especialistas, possui nuances e muitas famílias ainda têm dificuldade de acessá-lo. O principal motivo é a forte valorização nos preços dos imóveis, principalmente nos bairros tradicionais da classe média - transformados hoje em redutos das classes mais abastadas. O programa 'Minha Casa, Minha Vida' - criado pelo do governo Lula em 2009 com o objetivo de aliviar o déficit habitacional, estimular o crédito e a construção civil - exerce um duplo papel. Ao mesmo tempo em que atua como provedor de moradia a crédito facilitado às classes D e E, financiando imóveis de até 130 mil de reais, o plano acaba por, involuntariamente, trazer efeitos indesejados a outra parcela da população. Trata-se daquela classe média que paga aluguel e cuja renda é igual ou superior ao teto estabelecido para se beneficiar do programa (de, no máximo, 4 800 reais por família). O problema, de acordo com os especialistas, são os preços elevados, que dificultam o financiamento. Pesquisa do Ibope revela que, de junho do ano passado até igual mês deste ano, os valores dos imóveis tiveram alta média de 22%, na esteira do crescimento do país, da expansão do crédito e, sobretudo, do impacto do programa federal. O professor de finanças do Insper, Alexandre Chaia, explica que, quando um fator externo e poderoso como o programa 'Minha Casa, Minha Vida' (que responde hoje por cerca de 80% dos contratos da Caixa) entra no mercado, o efeito é uma súbita alteração de todas as curvas de preços. "A forte concentração dos recursos nesse segmento de imóvel acabou inflacionando os preços de terrenos e materiais de construção. E esse aumento foi repassado a todos os níveis imobiliários. Os salários, por sua vez, não cresceram no mesmo ritmo", explica. "Por muitos anos vivemos um período de estagnação, e isso mudou. A elevação dos preços é um caminho natural", afirma João Crestana, presidente do Secovi. Até aí, o fenômeno do encarecimento dos imóveis poderia ser encarado como algo 'democrático', já que afeta a todos. Sua intensidade, no entanto, é variável, sendo mais acentuada nas cidades maiores e, sobretudo, nos antigos bairros ocupados pela classe média. A explicação não é muito complicada. As áreas tradicionais, mais centrais, não comportam o levantamento de grandes empreendimentos; o que não ocorre nas regiões mais afastadas, muitas vezes povoadas por uma população de renda mais baixa. Os preços dos imóveis, é claro, sobem na periferia, mas lá ainda é possível ampliar significativamente a oferta. Já nas regiões centrais, as construtoras têm de oferecer elevadas somas para convencer os proprietários a sair, para demolir suas casas e construir prédios residenciais. E isso ocorre porque as empresas sabem que encontrarão demanda para seus imóveis super valorizados. "Os imóveis são precificados de acordo com o que as pessoas estão dispostas a pagar. E, atualmente, o brasileiro está disposto a pagar mais", diz Roy Martelanc, professor de Finanças da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Resultado: os preços sobem em ritmo ainda mais forte nos antigos redutos da classe média, que estão, conseqüentemente, se tornando regiões mais nobres. "Os bairros que antes eram considerados de classe média, hoje são de classe média alta", diz Crestana, do Secovi. "A opção é adquirir imóveis em bairros mais afastados, ou cidades próximas. Não é o ideal para muitas famílias, mas é onde os novos imóveis estão sendo construídos e onde os preços estão mais acessíveis", acrescenta. Com a Copa de 2014, as Olimpíadas e todo o crescimento projetado para o setor imobiliário, restam poucas esperanças para a classe média entrar na euforia de uma casa própria perto das residências de seus parentes ou próxima a metrôs (no caso das capitais). Segundo Alexandre Chaia, a única saída seria se os bancos prolongassem os prazos de financiamento para esta parcela da população. "Mas eles não farão isso. Estão ganhando muito dinheiro com o 'Minha Casa, Minha Vida' para se preocupar com outro segmento de público", diz o professor. A classe média pode, é claro, procurar as linhas de crédito com recursos livres dos bancos, mas suas taxas são muito superiores às alternativas de crédito direcionado (com ‘funding’ da poupança ou dos recursos do FGTS). Em muitos casos, a taxa de juros anual destas modalidades ultrapassa a casa dos dois dígitos. Outra opção é partir para a aquisição de um imóvel na planta, geralmente facilitada pelas construtoras. Neste caso, o comprador tem de tomar cuidado para não cair nas armadilhas das parcelas corrigidas pela inflação da construção. "Em todos os períodos econômicos, há sempre um grupo que sai perdendo", afirma Martelanc, da FEA-USP. Enquanto as perspectivas não melhoram, a saída é assistir ao sucesso dos que conseguem se beneficiar do bom momento. A construtora MRV, por exemplo, especializada em imóveis para a baixa renda, com 84% de seus lançamentos incluídos no programa do governo federal, festeja o ano espetacular. "Agora, estamos só esperando pelo Minha Casa, Minha Vida 2!", comemora Cristiano Chiab, diretor de crédito imobiliário da companhia. Simulações para classe média
Para uma família de três integrantes com renda familiar bruta de 5.000 reais adquirir um imóvel usado de 60 metros quadrados em Santana (bairro de classe média da zona norte de São Paulo), seria necessário um investimento de 200 mil reais. Ao buscar financiamento habitacional na Caixa, seria preciso uma entrada de 57 mil reais e o pagamento de prestações fixas de 1.500 reais ao longo de 360 meses (ou 30 anos). O mesmo imóvel em um bairro mais central de São Paulo, como a Bela Vista, chega a custar 250 mil reais. Essa mesma família precisaria ter 107 mil reais (sim, o dobro de uma entrada de um imóvel de 200 mil reais) para oferecer como aporte inicial e amortizar o restante da dívida, por 30 anos, com a mesma parcela de 1.500 reais. Caso a renda familiar subisse para 6.000 reais ao mês, as condições de acesso aos imóveis continuariam complicadas. Para o mesmo apartamento do bairro da Bela Vista, em São Paulo, ou um similar na Tijuca, na zona norte do Rio de Janeiro, seria preciso uma entrada de 77 mil reais e uma prestação mensal de 1.800 reais por 30 anos. Considerando as despesas de condomínio, contas de consumo, despesas com saúde e filhos, o orçamento dificilmente poderá fechar.
O mercado, afirmam os especialistas, possui nuances e muitas famílias ainda têm dificuldade de acessá-lo. O principal motivo é a forte valorização nos preços dos imóveis, principalmente nos bairros tradicionais da classe média - transformados hoje em redutos das classes mais abastadas. O programa 'Minha Casa, Minha Vida' - criado pelo do governo Lula em 2009 com o objetivo de aliviar o déficit habitacional, estimular o crédito e a construção civil - exerce um duplo papel. Ao mesmo tempo em que atua como provedor de moradia a crédito facilitado às classes D e E, financiando imóveis de até 130 mil de reais, o plano acaba por, involuntariamente, trazer efeitos indesejados a outra parcela da população. Trata-se daquela classe média que paga aluguel e cuja renda é igual ou superior ao teto estabelecido para se beneficiar do programa (de, no máximo, 4 800 reais por família). O problema, de acordo com os especialistas, são os preços elevados, que dificultam o financiamento. Pesquisa do Ibope revela que, de junho do ano passado até igual mês deste ano, os valores dos imóveis tiveram alta média de 22%, na esteira do crescimento do país, da expansão do crédito e, sobretudo, do impacto do programa federal. O professor de finanças do Insper, Alexandre Chaia, explica que, quando um fator externo e poderoso como o programa 'Minha Casa, Minha Vida' (que responde hoje por cerca de 80% dos contratos da Caixa) entra no mercado, o efeito é uma súbita alteração de todas as curvas de preços. "A forte concentração dos recursos nesse segmento de imóvel acabou inflacionando os preços de terrenos e materiais de construção. E esse aumento foi repassado a todos os níveis imobiliários. Os salários, por sua vez, não cresceram no mesmo ritmo", explica. "Por muitos anos vivemos um período de estagnação, e isso mudou. A elevação dos preços é um caminho natural", afirma João Crestana, presidente do Secovi. Até aí, o fenômeno do encarecimento dos imóveis poderia ser encarado como algo 'democrático', já que afeta a todos. Sua intensidade, no entanto, é variável, sendo mais acentuada nas cidades maiores e, sobretudo, nos antigos bairros ocupados pela classe média. A explicação não é muito complicada. As áreas tradicionais, mais centrais, não comportam o levantamento de grandes empreendimentos; o que não ocorre nas regiões mais afastadas, muitas vezes povoadas por uma população de renda mais baixa. Os preços dos imóveis, é claro, sobem na periferia, mas lá ainda é possível ampliar significativamente a oferta. Já nas regiões centrais, as construtoras têm de oferecer elevadas somas para convencer os proprietários a sair, para demolir suas casas e construir prédios residenciais. E isso ocorre porque as empresas sabem que encontrarão demanda para seus imóveis super valorizados. "Os imóveis são precificados de acordo com o que as pessoas estão dispostas a pagar. E, atualmente, o brasileiro está disposto a pagar mais", diz Roy Martelanc, professor de Finanças da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Resultado: os preços sobem em ritmo ainda mais forte nos antigos redutos da classe média, que estão, conseqüentemente, se tornando regiões mais nobres. "Os bairros que antes eram considerados de classe média, hoje são de classe média alta", diz Crestana, do Secovi. "A opção é adquirir imóveis em bairros mais afastados, ou cidades próximas. Não é o ideal para muitas famílias, mas é onde os novos imóveis estão sendo construídos e onde os preços estão mais acessíveis", acrescenta. Com a Copa de 2014, as Olimpíadas e todo o crescimento projetado para o setor imobiliário, restam poucas esperanças para a classe média entrar na euforia de uma casa própria perto das residências de seus parentes ou próxima a metrôs (no caso das capitais). Segundo Alexandre Chaia, a única saída seria se os bancos prolongassem os prazos de financiamento para esta parcela da população. "Mas eles não farão isso. Estão ganhando muito dinheiro com o 'Minha Casa, Minha Vida' para se preocupar com outro segmento de público", diz o professor. A classe média pode, é claro, procurar as linhas de crédito com recursos livres dos bancos, mas suas taxas são muito superiores às alternativas de crédito direcionado (com ‘funding’ da poupança ou dos recursos do FGTS). Em muitos casos, a taxa de juros anual destas modalidades ultrapassa a casa dos dois dígitos. Outra opção é partir para a aquisição de um imóvel na planta, geralmente facilitada pelas construtoras. Neste caso, o comprador tem de tomar cuidado para não cair nas armadilhas das parcelas corrigidas pela inflação da construção. "Em todos os períodos econômicos, há sempre um grupo que sai perdendo", afirma Martelanc, da FEA-USP. Enquanto as perspectivas não melhoram, a saída é assistir ao sucesso dos que conseguem se beneficiar do bom momento. A construtora MRV, por exemplo, especializada em imóveis para a baixa renda, com 84% de seus lançamentos incluídos no programa do governo federal, festeja o ano espetacular. "Agora, estamos só esperando pelo Minha Casa, Minha Vida 2!", comemora Cristiano Chiab, diretor de crédito imobiliário da companhia. Simulações para classe média
Para uma família de três integrantes com renda familiar bruta de 5.000 reais adquirir um imóvel usado de 60 metros quadrados em Santana (bairro de classe média da zona norte de São Paulo), seria necessário um investimento de 200 mil reais. Ao buscar financiamento habitacional na Caixa, seria preciso uma entrada de 57 mil reais e o pagamento de prestações fixas de 1.500 reais ao longo de 360 meses (ou 30 anos). O mesmo imóvel em um bairro mais central de São Paulo, como a Bela Vista, chega a custar 250 mil reais. Essa mesma família precisaria ter 107 mil reais (sim, o dobro de uma entrada de um imóvel de 200 mil reais) para oferecer como aporte inicial e amortizar o restante da dívida, por 30 anos, com a mesma parcela de 1.500 reais. Caso a renda familiar subisse para 6.000 reais ao mês, as condições de acesso aos imóveis continuariam complicadas. Para o mesmo apartamento do bairro da Bela Vista, em São Paulo, ou um similar na Tijuca, na zona norte do Rio de Janeiro, seria preciso uma entrada de 77 mil reais e uma prestação mensal de 1.800 reais por 30 anos. Considerando as despesas de condomínio, contas de consumo, despesas com saúde e filhos, o orçamento dificilmente poderá fechar.
Fonte: Portal Exame